As nossas reflexões, quase obrigatoriamente, têm que citar o Professor Manuel Sérgio:
A Educação Física moderna nasceu num clima intelectual onde predominava o velho empirismo inglês e, anos mais tarde, o positivismo. (…) A Educação Física preiteava também, a seu modo, o anátomo-fisiologismo ambiente, o paradigma cartesiano afinal. A própria conceção anglo-saxónica de EF assumia, nos séculos XVIII e XIX, as características do paradigma cartesiano (…) Descartes introduziu a rigorosa separação de mente e corpo, a par da ideia de que o corpo é uma máquina que pode ser completamente entendida, em termos de organização e do funcionamento das suas peças (Manuel Sérgio, “Motricidade Humana, uma nova Ciência do Homem”).
Descartes introduziu a rigorosa separação de mente e corpo (...)
Ideia de que o corpo é uma máquina (...)
Prática Pedagógica Cartesianista vs Holística.
Operacionalização das aprendizagens essenciais (Ex. 7º Ano | 3º Ciclo | EF).
AE: Conhecimentos, capacidades e atitudes (página 5):
O aluno deve ficar capaz de:
Área das Atividades Físicas:
Subárea - Jogos Desportivos Coletivos: (...) realizar com oportunidade e correção as ações técnico-táticas elementares (...).
Subárea - Ginástica: compor, realizar (...) as destrezas elementares (...) aplicando os critérios de correção técnica (...).
Subáreas atletismo, patinagem, ARE e outras:
Realizar saltos, corridas e lançamentos, cumprindo corretamente as exigências elementares, técnicas (...)
Patinar adequadamente (...) realizando as ações técnico-táticas elementares (...).
Apreciar, compor e realizar nas ARE sequências de elementos técnicos elementares (...)
Subárea Outras:
Jogos de raquetes - realizar com oportunidade e correção as ações técnico-táticas elementares (...)
Atividades de combate - realizar com oportunidade e correção as ações do domínio de oposição (...)
Realizar percursos de orientação elementares utilizando técnicas de orientação (...)
Deslocar-se com segurança no meio aquático (...) com as ações propulsivas específicas das técnicas selecionadas.
Área da Aptidão Física:
Desenvolver as capacidades motoras evidenciando aptidão muscular e aptidão aeróbia (...)
Área dos Conhecimentos:
Relacionar aptidão física e saúde e identificar os benefícios do exercício físico para a saúde.
(...) dimensão sociocultural dos desportos (...)
| Corpo (motor) | Mente (intelectual) |
Atividades Físicas | Automatismo de gestos técnicos | Cognição* |
Aptidão Física | Impacto fisiológico | Cognição* |
Conhecimentos | Relação do exercício com a saúde | Cognição* |
(*) A cognição, é o conjunto dos processos mentais usados no pensamento, na perceção, na classificação, no reconhecimento e na compreensão para o julgamento. A cognição envolve a forma como o cérebro, aprende, percebe, recorda e pensa (processos mentais) sobre toda informação captada através dos cinco sentidos. A cognição envolve vários processos psicológicos como a memória, aprendizagem, imaginação, pensamento, inteligência, atenção.
Quando analisamos este quadro apercebamo-nos que os processos motores não estão dissociados dos processos mentais (cognitivos). Se assim é, então a nossa abordagem pedagógica, que tem como referência a operacionalização das Aprendizagens Essenciais, pode aparentemente ser considerada uma prática holística porque se verifica uma unidade mente-corpo.
Por que motivo Manuel Sérgio afirma que a atual Educação Física "é atualmente uma expressão limitadora, estática e não válida"?
Por que motivo a abordagem proposta pelas Aprendizagens Essenciais denota o "conservadorismo, o dogmatismo da ciência normal"?
Por que motivo, quando operacionalizamos as Aprendizagens Essenciais, não contribuímos para o "movimento intencional rumo à transcendência"?
Manuel Sérgio explica que recorremos sobretudo ao behaviourismo (escola comportamentalista), que resume o ser à realidade orgânica. A nossa preocupação centra-se sobretudo na convicção que podemos ensinar os alunos, ajudando-os a evoluir, através da quantificação de comportamentos padronizados. Ou seja, se os alunos forem expostos sistematicamente aos condicionalismos da técnica e do jogo (respeito pelo padrão motor, pela regra e pela autoridade, o árbitro), eles aprendem o comportamento social correto através de uma resposta condicionada pela experiência no jogo finito desportivo na sala de aula. Manuel Sérgio sublinha a diferença clara entre padrões de movimento e esquemas motores referindo que a padronização do movimento (gestos técnicos estereotipados) conduz a uma visão padronizada do mundo. Por isso, defende a organização de movimentos construidos pelos sujeitos, em cada situação, dependendo da realidade individual de cada aluno, que contrasta com o movimento meramente mecânico do gesto técnico, que facilita a comparação e quantificação, mas que mecanizam e cristalizam os processos cognitivos. Por outras palavras, se queremos "sujeitos autónomos" e criativos (plasticidade) em vez de "máquinas perfeitas" teremos que perceber que a forma como operacionalizamos as nossas aulas condicionam o pensamento dos alunos, as suas crenças e visão sobre o mundo.
A visão Holística ajuda-nos a compreender que o que fazemos, a forma como o fazemos e os recursos e metodologias que usamos, têm um determinado impacto na construção do sistema de crenças dos alunos e nos seus valores. Como afirma Manuel Sérgio, "a riqueza da sua profissão reside precisamente no facto de ser uma ação cultural sobre um ser que pretende superar e superar-se. Potenciar a liberdade que permite a transcendência: eis como vejo a educação motora, isto é, a educação que veicula a ciência da motricidade humana".
Unidade Mente-Corpo
A área do fitness (Empresas de Ginásios), porque precisa atrair e fidelizar os seus clientes tem que, permanentemente, recriar a forma de abordar a atividade física, tornando-se apelativa e procurando ir ao encontro das suas motivações. A sua sobrevivência depende exatamente da sua criatividade, da sua constante adaptação a um mercado em constante mutação que procura formas diferentes e atuais de cuidar do corpo. A Educação Física, pelo contrário, cristalizou e pelo facto dos seus clientes estarem garantidos por lei (obrigatoriedade de frequentar o ensino até ao 12.º ano), acomodou-se nos seus modos anacrónicos e rotineiros de abordar o corpo.
O artigo 12º do decreto-Lei 41/2012 de 21 de fevereiro (Estatuto da Carreira Docente) reconhece a formação contínua como uma modalidade de formação do pessoal docente que se destina a assegurar a sua atualização, o aperfeiçoamento, a reconversão e o apoio, visando também objetivos de progressão na carreira e de mobilidade. Porém, constatamos que a formação disponível cai sempre dentro do mesmo quadro de referências e na maior parte das vezes participamos na formação mais por obrigação profissional do que pelo verdadeiro interesse pessoal e profissional. O Artigo 16.º - Ações de formação contínua do Capítulo III - formação, do Decreto-lei 41/2012, de 21 de fevereiro refere o seguinte:
A formação contínua é realizada conforme os planos de formação elaborados pelos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas tendo em consideração o diagnóstico das necessidades de formação dos respetivos docentes.
Sem prejuízo do disposto no número anterior, deve ainda ser considerada na frequência das ações de formação contínua a formação de iniciativa individual do docente que contribua para o seu desenvolvimento profissional.
Uma das grandes diferenças a nível da oferta formativa da Educação Física relativamente à área do fitness, regulamentada pelo Despacho 5373/2011 resultante do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 271/2009, de 1 de outubro, relaciona-se com as áreas de formação, que os Profissionais Responsáveis pela Orientação e Condução do Exercício de Atividades Físicas e Desportivas (PROCEAFD), podem frequentar.
Ponto 7 - para efeitos do presente despacho, são consideradas as ações de formação que se enquadrem nas seguintes áreas de formação:
Área Geral:
Atividade física, exercício e desporto.
Exercício, nutrição e saúde.
Gestão e direito do desporto.
Treino desportivo.
Desportos de aventura e natureza.
Educação Física.
Área específica:
Sala de exercício.
Aulas de grupo.
Atividades de meio aquático.
Atividades Body and mind.
Exercícios para populações especiais.
Área de inovação.
Um dos aspetos que sobressai a nível da área específica é o reconhecimento das "atividades body and mind" como uma área de formação. Este reconhecimento não existe de forma explícita em nenhum diploma relativo ao plano de formação docente (professores de EF) nomeadamente nos domínios científico, curricular e pedagógico. As próprias Aprendizagens Essenciais (AE) também não reconhecem as atividades Body and Mind. O facto dos processos cognitivos estarem envolvidos nos processos motores não significa que qualquer atividade física e desportiva seja uma atividade body and mind (holística)
Se o objetivo da Educação Física é a "Formação em habilidades para a vida e participação em atividades físicas ao longo da vida" torna-se necessário que as AE incluam a subárea das Holopraxias, tão importante para a formação holística dos jovens em idade escolar e só assim podemos falar de ecletismo.
Como é que definimos as áreas Body and Mind?
O Comité de membros da Task Force coordenado por John H. K. Vogel elaboraram em 2005 o relatório do American College of Cardiology que é um documento de consenso sobre as medicinas complementares que se intitula "Integrating Complementary Medicine Into Cardiovascular Medicine" (Vol. 46, N.º 1, 2005).
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John H. K. Vogel et al. (2005); “Integrating Complementary Medicine Into Cardiovascular Medicine – A Report of the American College of cardiology Foundation Task Force on Clinical Expert Consensus Documents”; Journal of the American College of cardiology; Vol. 46; n.º 1; 2005; pp. 184-221: PDF
A página 200 deste documento define Mind/Body and Placebo (The mind/body relationship and its correlation to CVD - cardiovascular diseases).
Ponto III - (página 202) - elabora um sumário das técnicas da medicina alternativa e complementar que foram usadas como complementos das terapias tradicionais no tratamento das doenças cardio-vasculares:
Redução do stress.
Meditação.
Grupos de apoio.
Biofeedback.
Gestão do stress.
Imageria Guiada.
Ponto V - (página 205): Bioenergética (Medicina Energética):
Relaxação.
Yoga.
Qi Gong.
Reiki.
Cura e toque terapêutico.
Cura à distância.
Kinesiologia aplicada.
Meditação.
Medicina Vibracional.
Magnetoterapia.
Homeopatia (Memória da água).
Conclusão.
Manuel Sérgio afirmou que a expressão Educação Física é atualmente uma expressão limitadora, estática e não válida assumindo-se como a pré-ciência da Ciência da Motricidade Humana. Como tal, o Paradigma emergente ou Holístico colocou novas questões à Educação Física, gerou a crise, no seio da ciência normal. E estar em crise, é anunciar o novo e, simultaneamente, denunciar o conservadorismo, o dogmatismo da ciência normal.
As disciplinas que se enquadram dentro da área Body and Mind "transcendem" o conservadorismo e dogmatismo da ciência normal que alicerçam as Ciências do Desporto e da Educação Física.
O documento da UNESCO "Diretrizes em Educação Física de Qualidade" no seu ponto 3.2.1 - Flexibilidade Curricular refere que se verifica uma "Deterioração nas atitudes dos estudantes em relação à E.F., devido ao domínio dos desportos competitivos e atividades baseadas no desempenho". Também afirma que "para maximizar a contribuição da E.F. para o desenvolvimento de hábitos positivos ao longo da vida, os currículos devem ser flexíveis e abertos à adaptação, para que os professores sejam empoderados a adequar a oferta para atender às diversas necessidades dos jovens com os quais trabalham". Por isso concordamos com este documento, quando afirma que "para tornar significativos os currículos de E.F. para crianças e jovens do século XXI, teorias inovadoras e novas perceções da disciplina devem ser consideradas, avaliadas e implementadas".
A Escola em geral e a Educação Física em particular, se pretende ser uma área disciplinar orientada para os desafios do século XXI deverá abandonar o seu conservadorismo e dogmatismo da ciência normal que a mantém refém.
O encontro do Ocidente com as ciências médicas da acupuntura e outros estudos em biofísica, acordaram uma profunda curiosidade acerca de outras possibilidades e modos de transmissão e comunicação de energia dentro do corpo para além do sistema circulatório, sangue, sistema linfático e sistema nervoso. O trabalho experimental moderno sugere que se iniciou a cartografia dum tipo de sistema circulatório de luz operando num nível energético marcadamente diferente das suas contrapartes moleculares. Estudos recentes efetuados por Zhang (1996, 2003), sugerem um corpo inteiro e distinto do corpo químico que o interpenetra. Um tal corpo foi designado por corpo eletromagnético e pode ser um veículo de projeção da consciência. Esta perspetiva retrata o corpo mais como um biocomputador energético (Gariaev, 1994; Hurtak, 1973), do que uma máquina molecular. Bruce D. Curtis & J. J. Hurtak (2004), “Consciousness and Quantum Information Processing: Uncovering the Foundation for Medicine of Light” referem que a acupuntura é o “quinto sistema circulatório” no nosso corpo.
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Bruce D. Curtis and J. J. Hurtak (2004); “Consciousness and Quantum Information Processing: Uncovering the Foundation for a medicine of Light”; The Journal of Alternative and Complementary Medicine; Vol. 10, n.º 1pp. 27-39: PDF
É imperativo adotar uma abordagem motora que ultrapasse a mera dimensão orgânica uma vez que somos seres multidimensionais (Transcendência). O licenciado (ou mestre, ou doutor) em motricidade humana é assim o agente de ensino, ou investigador, ou o técnico que, no exercício da sua profissão, procura a libertação dos corpos, rumo à transcendência, rumo ao possível (Manuel Sérgio).
O estudo da unidade mente-corpo leva-nos ao encontro da anatomia emocional e esta manifesta-se através da realidade bioquímica. Para estudarmos o corpo temos que compreender que este não é um tratado de anatomia mas um sistema complexo multidimensional, onde os pensamentos e emoções fazem parte desta linguagem fisiológica.
Candace Pert (1999) no seu livro “Molecules of Emotion”, chega a uma conclusão muito interessante relativamente a este assunto, com base nas suas investigações. Quando se questiona sobre o fato das emoções terem origem no cérebro (Walter Cannon, Fisiologista experimental que escreveu o livro “Wisdom of the Body”) ou no corpo (William James, professor da Universidade de Harvard), Candace Pert, baseando-se na teoria dos peptídeos e outros ligandos a nível da bioquímica das emoções, é peremptória em afirmar que “é simultâneo”, “é uma via de duas direcções”. O que ela descobriu foi que a secreção destas substâncias informacionais, ou por outras palavras, a “materialização” destas substâncias informacionais (peptídeos), sucedia em resposta a um sentimento, pensamento, uma intenção, uma emoção ou crença. A descoberta dessa rede psicossomática implica o facto de que o sistema nervoso não está estruturado de maneira hierárquica, como previamente se acreditava. Tal como afirma Candace Pert: “os glóbulos brancos do sangue são pedacinhos de cérebro a flutuar pelo corpo”. Em última análise, a cognição é um fenómeno que se expande por todo o organismo, operando por intermédio de uma complexa rede química de peptídeos que integra a nossa actividade mental, emocional e biológica. Cuidar do corpo significa cuidar da cognição. Na verdade o coração, cérebro, sistema nervoso, sistema hormonal e imunitário são todos considerados como componentes fundamentais da dinâmica rede de informação interativa que determina a nossa experiência emocional corrente. Trata-se na verdade de uma rede de informação multidimensional de subsistemas comunicantes nos quais os processos mentais, emocionais e fisiológicos estão intrinsecamente interligados.
A grande questão permanecia, “de que forma as emoções transformam o corpo, quer criando a doença ou curando-a, mantendo a saúde ou minando-a?”.
Toda e qualquer alteração do estado fisiológico é acompanhada por uma alteração apropriada no estado mental e emocional, consciente ou inconsciente e inversamente, toda e qualquer alteração no estado mental e emocional, consciente ou inconsciente, é acompanhada pela alteração apropriada no estado fisiológico.
A nossa abordagem pedagógica torna-se, por vezes, incoerente e incongruente porque queremos promover a saúde através do jogo pelo desenvolvimento da aptidão física (aspeto fisiológico) mas o próprio jogo desportivo (oposição), coloca as crianças sob tensão emocional (incoerência fisiológica) devido à interdependência negativa que, como já vimos anteriormente, promove a dôr social (pode ameaçar as 5 dimensões do modelo SCARF).
Como facilitar a presença no corpo (consciência corporal)? (diferente da presença do corpo) a abordagem eutónica permite orientar os alunos para uma atenção relativamente às tensões presentes no corpo. Este evolui ao serviço do ser que o habita, livre de críticas e julgamentos, livre na expressão dos seus movimentos. Procura-se sobretudo, nesta abordagem, desenvolver a libertação de hábitos e atitudes condicionadas (técnicas - padrões motores). O objetivo é o conhecimento do corpo, a ampliação da sua perceção e interferência positiva no processo de reconstrução/desconstrução da imagem corporal. A educação somática permite aceder à sabedoria do corpo através da atenção às sensações, promovendo a perceção da consciência corporal facilitando a flexibilidade tónica.
Apercebemo-nos da necessidade em investir na Ciência do Coração e nas Holopraxias. A Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC) é o indicador da função do Sistema Nervoso Autónomo (SNA) e da Coerência Fisiológica. A Variabilidade da Frequência Cardíaca espelha uma dança dinâmica entre os dois maiores ramos do sistema nervoso autónomo, o simpático e o parassimpático, cuja função é controlar as funções de virtualmente quase todos os órgãos e sistema fisiológicos do nosso corpo.Os padrões de VFC são extremamente sensíveis às emoções, e os ritmos cardíacos tendem a tornar-se mais ordenados ou coerentes durante estados emocionais positivos. O termo coerência psicofisiológica refere-se aos estados em que um alto grau de ordem e harmonia no domínio emocional se traduz em maior coerência nos padrões e processos fisiológicos. A investigação mostra que os indivíduos podem manter longos períodos de coerência fisiológica através da auto-geração ativa de emoções positivas. Nos estados de coerência psicofisiológica, existe um aumento da sincronização e harmonia entre os sistemas cognitivo, emocional e físico.
Como é que promovemos a saúde através do ensino da coerência psicofisiológica nas nossas aulas de EF?
Que tipo de abordagens?
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Rollin McCraty (2001). Science of the heart – Exploring the Role of the heart in Human Performance. Heartmath Research Centre: PDF
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