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Foto do escritorJoão Jorge

Festivais de Ginástica, Olimpismo e Treino Natural

Atualizado: 22 de jul.

Festivais de Ginástica


Os grandes festivais de ginástica do século XIX precederam e inspiraram as Olimpíadas e verificaram-se imensas mudanças na mentalidade, filosofia, abordagem e caráter geral destes eventos.



Ao contrário da filosofia dos Jogos Olímpicos da era moderna, onde a carreira desportiva é curta, não se valorizava a criação de especialistas numa única modalidade ou disciplina e o objetivo destes festivais era promover o vigor físico e a longevidade através da prática da atividade física. Nestes festivais verificava-se a participação de séniores que realizavam exercícios adequados à faixa etária, os quais executavam as suas coreografias em frente de imensos espetadores, apresentando-se numa boa forma física, verificando-se uma reverência e respeito pelos idosos, promovendo-se o conceito de ficar em forma mesmo nas idades mais avançadas.

Ao contrário das atuais competições que atribuem o prémio ao melhor executante individual ou em grupo (com a melhor performance numa determinada atividade, disciplina ou categoria) os prémios eram atribuídos a quem apresentava o melhor performance média obtida em todas as categorias, ou seja, valorizava-se o atleta completo, versátil e não o especialista.


Physical Culture Historians


Excerto do texto escrito em 1937 (publicado no "American Turners"), partilhado no vídeo anterior, onde sobressai uma crítica ao caminho que a Cultura Física seguia em função da influência da competição desportiva (modelo olímpico). O termo Cultura Física surgiu durante o século XIX e era usado para descrever o cultivo da mente, corpo e espírito através do exercício.

Verificava-se, nesta altura, uma preocupação com o desenvolvimento harmonioso da pessoa humana. Apesar disso, Manuel Sérgio faz uma crítica ao "anatomo-fisiologismo que imperava, quando Jahn Amoros, Ling e os seus discípulos lançaram as bases da Educação Física moderna". Refere ainda que "Ling tentou construir uma ginástica científica assente na anatomia. Demeny acompanhou-o, durante algum tempo. Depois, abandonou-o, alegando que a ginástica sueca, ao basear-se na anatomia, era predominantemente estática". Manuel Sérgio continua a sua crítica a estes modelos do século XVIII e XIX que, na sua opinião, assumiam as características do paradigma cartesiano.


Quando observamos os vídeos partilhados pelo "Physical Culture Historians" sobre o método de Ling, vemos algo diferente e sobressai uma preocupação com o desenvolvimento harmonioso, porém, o método baseia-se em posições padronizadas realizadas numa sequência coreografada em sincronização entre praticantes.


 

Coubertianismo


Inspirado nas Olimpíadas da Grécia Antiga, Barão de Coubertin foi o criador dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, disputados pela primeira vez em 1896. Foi ele o responsável por definir os Princípios Fundamentais do Olimpismo onde destacamos dois deles:


  1. O Olimpismo é uma filosofia de vida que exalta e combina de forma equilibrada as qualidades do corpo, da vontade e da mente. Aliando o desporto à cultura e educação, o Olimpismo procura ser criador de um estilo de vida fundado no prazer do esforço, no valor educativo do bom exemplo, na responsabilidade social e no respeito pelos princípios éticos fundamentais.

  2. O objetivo do Olimpismo é o de colocar o desporto ao serviço do desenvolvimento harmonioso da pessoa humana em vista de promover uma sociedade pacífica preocupada com a preservação da dignidade humana.

  3. (...)

Objetivo

Atividade fundamental

Valores

Estilo de vida

Prazer no Esforço e superação

Desporto - desempenho

Desenvolvimento Harmonioso da pessoa

Valorização

Citius, Altius, Fortius

Competição

Respeito pelos princípios éticos fundamentais

Dimensão social

Promover uma Sociedade pacífica?

Oposição e comparação (Interdependência Negativa)

Responsabilidade Social. Promover a paz?

As inspirações de Coubertin para se transformar no criador dos Jogos Olímpicos foram a obra do inglês Thomas Arnold, um dos precursores do desporto moderno, e as escavações do alemão J. J. Winckelmann, que encontrou em Olímpia as ruínas do estádio onde eram disputadas as Olimpíadas da Grécia Antiga.


Por que motivo Pierre de Coubertin não via com bons olhos a presença de Desportos Coletivos na programação das competições?

  1. Jogos de Invasão Territorial (Interdependência Negativa).


Hoje, no Olimpismo, verifica-se a sobrevalorização do melhor atleta numa determinada disciplina ou especialidade ou dimensão fisiológica e biomecânica (capacidades motoras, condicionais e coordenativas):

  1. O atleta mais rápido - velocidade | resistência.

  2. O atleta que chega mais alto.

  3. O atleta mais forte - força.

 

Desenvolvimento Harmonioso da Pessoa Humana


  1. Desenvolvimento humano é um conceito baseado na ideia de liberdade dos seres humanos, para que estes tenham as oportunidades e capacidades de viverem com qualidade de vida e conforme os seus objetivos.

  2. Harmonioso - Harmonia é o equilíbrio entre elementos que ocasiona uma sensação agradável, aprazível.

  • Será que o treino especializado contribui para um desenvolvimento harmonioso da pessoa humana?

Os limites do desempenho atlético são um tema de mito e debate no entanto, o desempenho desportivo parece ter atingido um estado de estagnação nos últimos anos, sugerindo que as capacidades físicas dos seres humanos (...) não podem progredir indefinidamente. Embora as capacidades finais possam ser previsíveis, o caminho exato para os valores absolutos de desempenho máximo permanece difícil de avaliar e depende de inovações técnicas, regulamentação desportiva e outros parâmetros que dependem das condições sociais e económicas atuais. Séries temporais de desempenho em modalidades olímpicas, como o atletismo e natação, de 1896 a 2012 revelam uma grande queda no desenvolvimento do desempenho. Obviamente que isto afeta o espetáculo desportivo na medida que os espetadores pagam para ver recordes!...


Pontos chave:

  1. A performance está limitada pelas condições fisiológicas e genéticas, pelos contextos económicos e ambientais e sobretudo de indivíduos com traços físicos e genéticos otimizados!... (O desporto não é inclusivo).

  2. Se a performance atlética atingiu o seu pico, porque continuamos a investir milhões de euros na industria do alto rendimento?

    1. UAARE - Unidades de Apoio ao Alto Rendimento.

    2. Rede Nacional de Centros de Alto Rendimento.

    3. Desporto Federado de alto rendimento;

    4. Laboratório de Alto Rendimento nas Universidades.

  3. O Olimpismo é uma industria financeira altamente lucrativa e nada tem a ver com o desenvolvimento harmonioso da pessoa humana!... Aliás, não é por acaso que o COP define como desígnio: Desporto, crescimento económico e emprego:

    1. Implicação política 1: o desporto é um setor económico importante.

    2. Implicação política 2: o desporto representa uma industria de trabalho intensivo em crescimento.

    3. Implicação política 3: o desporto pode promover a convergência em torno dos Estados Membros da UE.

    4. Implicação Política 4: o desporto tem vantagens de especialização que favorecem o crescimento.

___________

  • Geoffroy Berthelot et col. Has athletic performance reached its peak?. Sports medicine (2015) 45:1263-1271: PDF

  • Alan M. Nevill and Gregory White. Are there limits to running world records? Physical Fitness and Performance. ACSM. PDF

  • Rakesh John et col. Genetics and elite athletes: our underestanding in 2020. Indian Journal of Orthopaedics (2020) 54:256–263: PDF

  • Comité Olímpico de Portugal. Desporto, crescimento económico e emprego – Valorizar socialmente o desporto: um desígnio nacional: PDF

  • INE. destaque 5 de abril de 2016: PDF

  • Desporto em Números 2021. INE: PDF


David Epstein, na sua apresentação no TED Talk baseada no seu livro "O Gene do Desporto" coloca a seguinte questão: estrelas como Usain Bolt, Michael Phelps e Serena William são aberrações genéticas colocadas na Terra para dominar os respetivos desportos ou são simplesmente pessoas normais que superaram os seus limites por pura força de vontade e treino obsessivo?


Possuir o físico certo para determinado desporto é um grande ponto de partida. Com a explosão a nível do conhecimento genético, existe atualmente uma procura, não apenas pelo físico apropriado, mas também pelos "genes da performance". Os atuais atletas de elite são procurados pelas suas características fisiológicas e biomecânicas anormais extremas que potenciam o desempenho.



A procura do sucesso desportivo afasta o movimento olímpico dos seus princípios fundamentais explícitos na carta olímpica, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento harmonioso da pessoa humana. Este testemunho mostra claramente que os campeões olímpicos possuem um desenvolvimento completamente desarmonioso:

  1. Os altos tornaram-se cada vez mais altos (basquetebol)

  2. Os atletas pequenos tornaram-se cada vez mais pequenos (ginástica)

  3. Os atletas estranhos tornaram-se cada vez mais estranhos (natação).

Um dos temas que os Professores de Educação Física abordam na área dos conhecimentos nas Aprendizagens Essenciais, está relacionado com os valores olímpicos e a sua importância para a construção de uma sociedade moderna e inclusiva.


Questões:

  1. Se o movimento olímpico, tal como constatamos, em nada enaltece um desenvolvimento harmonioso da pessoa humana onde apenas alguns biótipos e traços genéticos conseguem o sucesso, porque o valorizamos como referência pedagógica enquanto modelo de sucesso?

  2. Se a prática de atividades físicas ao longo da vida em nada tem a ver com esta especialização promovida pelo desporto, por que continuamos a vincular a Educação Física aos objetivos do desporto (Olímpismo)?

  3. O Hébertismo e o Treino Natural, são uma filosofia que promove uma cultura física equilibrada e natural mantendo-se fiel a um verdadeiro desenvolvimento harmonioso! Não será mais sensato a EF promover o Hébertismo em vez do Coubertianismo?



David Epstein no seu outro livro intitulado "Range" refere que muitos especialistas argumentam que qualquer pessoa que queira desenvolver uma habilidade e ser um excelente praticante ou especialista numa determinada área, deve começar cedo, concentra-se intensamente e acumular o máximo possível de horas de prática deliberada, intencional e metódica. Porém, um olhar mais atento à investigação sobre os melhores desempenhos do mundo, de atletas profissionais e indivíduos que ganharam o prémio Nobel, mostra que a especialização precoce é a exceção e não a regra. David Epstein examinou os atletas, artistas, músicos, inventores e cientistas mais bem sucedidos e descobriu que na maioria dos campos, especialmente aqueles que são complexos e imprevisíveis, os generalistas, não os especialistas, destacam-se. Os generalistas encontram o seu caminho tarde e procuram conciliar muitos interesses pessoais em vez de se concentrarem apenas num. Eles também são mais criativos, mais ágeis e capazes de relacionar aspetos que os seus colegas mais especializados não conseguem ver.

Esta reflexão de David Epstein mostra claramente que a atual obsessão com a especialização desportiva não produz os indivíduos mais versáteis, adaptativos e criativos para a sociedade. Na verdade, esta pressão sobre as crianças e jovens tem provocado vários tipos de problemas como afirma o Jornalista Mark Hyman e o pediatra Joel Brenner.


Tendência destrutiva da comercialização e os seus efeitos sobre as crianças: o jornalista Mark Hyman investigou a evolução da economia do desporto juvenil desde os simples jogos até à prática desportiva que pretende transformar crianças nos futuros atletas de elite, levando-os para lá dos limites físicos e emocionais. (…) O jornalista expõe a forma como os adultos estão a transformar o desporto juvenil numa empresa lucrativa de elevada pressão e exigência. Coloca-se a seguinte questão: desde quando é que o desporto se tornou mais um trabalho do que um divertimento? Em cada ano, mais de 3,5 milhões de crianças com idades inferiores a 15 anos necessitam de tratamento médico devido a lesões desportivas, quase metade destas resultam da simples sobreutilização (sobretreino).
O pediatra Joel Brenner afirma que ouvimos frequentemente falar da epidemia da obesidade. Porém, do outro lado do espectro, existe um grupo de miúdos que estão super-ativos. A Academia Americana de Pediatria está tão preocupada com este facto que emitiu duas missivas sobre lesões de sobre-utilização no espaço de 3 anos, tendo sido a última em 2007. Um olhar sobre como a comercialização do desporto juvenil que transformou a diversão num empreendimento altamente lucrativo.

 

Hébertismo


A Rede Motricidade Humana promove o Paradigma Holístico que se baseia numa visão sistémica. A dinâmica dos sistemas destrói a visão estática das organizações e das estruturas. A Educação Física terá que evoluir no sentido contrário a esta domesticação do corpo promovida pelo ideal olímpico que exacerba o desporto de competição. A EF deve renaturalizar o movimento.


A Federação de Treino Natural (Organismo oficial que representa o Método Natural de George Hébert) afirma que a forma mais saudável de desenvolvimento e manutenção físico é a atividade física natural, completa e gratificante. O Treino Natural aposta numa pedagogia mais natural e alegre através do desafio, do jogo cooperativo e descontraído, investindo numa relação saudável entre os praticantes.


O Treino natural constitui um verdadeiro sistema educativo completo nas suas três dimensões:

  1. Físico - O treino natural utiliza todos os gestos naturais próprios do ser humano: andar, correr, saltar, escalar, arremessar, etc. A multiplicidade de exercícios naturais e utilitários, combinados com uma dosagem adequada, garantem o pleno desenvolvimento físico (Capacidades condicionais; Capacidades coordenativas). Além disso, a prática ao ar livre permite aproveitar os benefícios do ar, da água e do sol, e endurece o corpo ao frio ou ao calor, fortalecendo a imunidade natural. Praticar exercício no meio da natureza permite também aproveitar as energias da terra e das árvores.

  2. Mental - ao enfrentar situações reais durante o treino, desenvolve-se o vigor, coragem, força de vontade, compostura e todas as outras qualidades mentais. Saltar obstáculos reais, realizar subidas mais ou menos difíceis, equilibrar-se em altura, experimentar lutas e situações defensivas, são desafios que nos fortalecem. Os exercícios são sempre adaptados às capacidades individuais, em segurança, mas é o desafio e a emulação do grupo que nos ajudam a ultrapassar os nossos limites.

  3. Social - que sentido deve ser dado à prática? O Treino natural atribui um significado afetivo à prática. O treino natural afasta qualquer espírito de competição e integra situações de cooperação e ajuda mútua. A entreajuda, o respeito, a dedicação, são valores que se transmitem através da formação em grupo e respondem à nossa necessidade de contacto social, pertença, prazer e sentido de utilidade.

Os exercícios, gestos ou movimentos, praticados durante as sessões de atividade física, nada mais são do que gestos “naturais” que o homem sempre utilizou. Georges Hébert catalogou, nos seus trabalhos técnicos, cerca de 6.000 gestos naturais e utilitários! Estes diferentes gestos foram agrupados e classificados em 10 famílias, elas próprias organizadas em 3 ordens de importância:

  1. Os deslocamentos:

    1. Marcha - caminhada.

    2. Corrida.

    3. Saltos.

  2. Os deslocamentos secundários:

    1. Quadrúpedia.

    2. Trepar.

    3. Equilíbrios.

    4. Nadar.

  3. As manipulações e interações:

    1. Levantar - Transportar.

    2. Lançar.

    3. Defesa.



 

Exemplo do Salto em altura


Vamos comparar o salto em altura em função dos dois modelos, o Treino Desportivo e o Treino Natural. Vamos refletir sobre como transformar um exercício com finalidade puramente desportiva num exercício com finalidade utilitária que permite compreender plenamente a extensão e a riqueza técnica do Treino Natural.



A - Finalidade Desportiva:

  • Modelo Desportivo: O desportista faz um “salto em altura” - é a especialidade dele. No caso da Educação Física, quando aborda a subárea do atletismo na disciplina de saltos, o aluno deve cumprir corretamente as exigências técnicas (estereotipo) e respetivas componentes críticas.

O objetivo do salto em altura é a transposição de uma barra horizontal (fasquia), colocada a uma altura variável, após corrida de balanço. A técnica utilizada para a execução deste tipo de salto é a fosbury flop.


Fases do Salto em altura:

  • corrida de balanço.

  • Chamada.

  • Transposição da fasquia.

  • Receção



Corrida de Balanço:

  • Corrida de balanço realizada com três a sete passadas em linha reta.

  • Percorrer a primeira parte da corrida (em linha reta) com o tronco em posição vertical e as últimas passadas com o corpo ligeiramente inclinado para trás.

  • Nas últimas passadas (três a cinco), inclinar o corpo para o interior da curva, estando o ombro da parte interior mais baixo que o ombro da parte exterior da curva.

  • Aumento da velocidade de corrida através de passadas enérgicas, com especial incidência na passagem rápida da penúltima para a última passada.

Chamada:

  1. A última passada é ligeiramente mais curta do que as outras.

  2. O pé de chamada efetua um apoio rápido e deve apoiar-se no prolongamento da curva, não ficando paralelo à linha de fasquia mas, sim oblíquo.

  3. Elevação rápida da coxa do membro inferior livre até à horizontal, mantendo essa posição.

  4. Elevação dos membros superiores até à altura da cabeça, mantendo essa posição.

  5. Local da chamada ligeiramente à frente do primeiro poste.

Transposição:

  1. Após a chamada, manter a coxa do membro inferior livre na horizontal.

  2. O membro inferior de chamada continua o seu movimento de extensão.

  3. O membro superior do lado do membro inferior livre deve ser o membro superior condutor do movimento, sendo o primeiro a transpor a fasquia.

  4. Elevação da bacia durante a transposição.

  5. Quando acaba a transposição da fasquia, levar a cabeça ao peito e estender os membros inferiores.

Receção:

  1. Executa-se com as costas e com proteção dos membros superiores.

  2. Manutenção dos joelhos separados, evitando o contacto com as outras superfícies corporais.


Numa aula de Educação Física, por forma a operacionalizar as Aprendizagens Essenciais, relativa à subárea do atletismo, criamos as condições didáticas para a realização do salto em altura e normalmente dedicamos a aula à técnica do salto especializado.

  • O salto em altura depende de um colchão de quedas (Colchão de ginástica), um par de postes com graduação e uma fasquia (elástica). Normalmente apenas conseguimos organizar uma estação de salto em altura para realizar algumas progressões de aprendizagem devido à escassez de equipamentos disponíveis que são onerosos.

  • Podemos dividir a turma em dois grupos, os esquerdinos e os destros (em maior número) que irão fazer a corrida de aproximação ou do lado direito ou esquerdo.

  • Normalmente, como só pode efetuar um aluno de cada vez, estes são dispostos em fila e aguardam a sua vez o que diminui consideravelmente as oportunidades para saltar numa aula (Tempo potencial de aprendizagem).

Esta conceção analítica de organização da aula através da racionalização dos gestos (modelo mecanicista), transmissão de conteúdos e conhecimentos, partindo do menos para o mais complexo, no qual se preconiza o ensino da técnica como aspeto fundamental para o desenvolvimento de uma competência motora muito padronizada, é típica do modelo desportivo. O modelo de instrução direta é o mais utilizado nas aulas o qual permite que o professor oriente e encadeie a sequência de exercícios segundo uma progressão de aprendizagem. Porém, este modelo tem vindo a ser criticado no campo científico e são apresentadas cinco causas justificativas:

  1. O reduzido sucesso na realização das habilidades técnicas.

  2. A incapacidade dos alunos criticarem a prática porque está codificada e padronizada.

  3. A rigidez das habilidades técnicas aprendidas.

  4. A baixa autonomia dos alunos durante o processo de ensino e aprendizagem.

  5. A monotonia e desmotivação associada à tarefa e aos tempos de espera.


 

B - Finalidade Utilitária:

  • Modelo do Treino Natural: a família dos saltos, que é apenas uma das 10 famílias de exercícios, inclui, sem que seja possível enumerá-las todas aqui, as seguintes grandes sub-famílias:

    1. Principais: altura, comprimento, profundidade ou associando as anteriores.

    2. Secundários: com contra-altura, com apoio das mãos e/ou pés), com repulsão.

    3. Com sobressalto: no local, em altura, comprimento, para trás e com contra-altura.

    4. Saltos de destreza: no local, em altura, comprimento, para trás e com contra-altura.

    5. Saltos com acessórios: ajuda de varas e/ou bastões.

    6. Saltos combinando as categorias anteriores.

Se organizarmos uma aula de Educação Física, subordinada ao tema dos Saltos, recorrendo ao Método do Treino Natural, podemos criar várias estações onde os alunos exploram as sub-famílias de forma natural e criativa uma vez que não estão limitados pelas componentes críticas muito codificadas do salto em altura do modelo desportivo. Em vez disso podemos propor aos alunos, em grupos, a escolha de formas diferentes de saltar utilizando os recursos disponíveis (criatividade e autonomia).


Circuito por estações subordinado ao tema dos saltos:

  1. Estação 1: salto de impulsão horizontal

  2. Estação 2: saltos a pés juntos

  3. Estação 3: Salto sobre o plinto com ajuda das mãos e pés com receção equilibrada e eventual rolamento (zempo-ukemi).

  4. Estação 4: trepar 4 caixas de plinto e saltar para o chão, amortecendo a queda com eventual rolamento (zempo-ukemi)

  5. Estação 5: pequena corrida de balanço com triplo apoio alternado.

  6. Estação 6: corrida com salto de transposição de barreiras (técnica livre).

  7. Estação 7: saltar à corda (parado, pé coxinho, com deslocamento, para trás, etc...)

  8. Estação 8: saltar para cima de caixas com alturas diferentes ou pneus empilhados (desafios).

  9. Estação 9: saltos diversos com o minitrampolim.

  10. etc...

Esta abordagem não está refém do formalismo e condicionalismo da técnica de salto em altura mas explora o salto de forma funcional e apelativa, garantindo um envolvimento físico constante que, ao contrário da abordagem anterior, também contribui para o desenvolvimento da aptidão física de forma muito mais significativa. O objetivo é promover uma experiência diversificada da habilidade motora básica de saltar que difere da abordagem especializada do desporto.

Podemos também criar uma pista de obstáculos utilizando vários materiais disponíveis:

  • Trave olímpica.

  • Plintos.

  • Colchões.

  • Barreiras.

  • Pneus de camião (fim de ciclo de vida).

  • Cordas.

  • Cones.

  • Cordas de cisal suspensas (balanço e queda/receção).

  • etc... a imaginação é muito importante neste tipo de metodologia.

Importa nesta abordagem, realçar a alegria suscitada pelos desafios, a forma dinâmica e descontraída que a aula assume, o aumento significativo da motivação e o desenvolvimento da aptidão física de forma muito mais multifacetada. A estratégia proposta não segue fielmente o Método de Treino Natural porque está organizada para o Pavilhão Desportivo utilizando materiais e recursos existentes.

Para tornar a experiência mais apelativa e rica, podemos sempre utilizar o mobiliário urbano da escola (muros, escadas, corrimão, lancis, bancos, árvores, troncos, pneus, etc) e promover experiências de saltos. Podemos também, acompanhar os alunos até uma mata e procurar oportunidades para realizar saltos sobre pedras, troncos caídos, valas, etc...


Comparação do salto desportivo e o salto na perspetiva do Treino natural:

Treino Desportivo

Treino Natural

Terreno

A pista é plana, sem rugosidade, em material flexível, seca (Tartan)

O terreno é tal como é, isto é, muitas vezes irregular, mais ou menos íngreme, duro ou macio, escorregadio, etc

Técnica

O pé de chamada será o direito ou esquerdo dependendo da predisposição do atleta, visando o melhor desempenho.

A chamada é feita com um pé e depois outro, a fim de promover o equilíbrio e a harmonia do corpo. Também será feita com os 2 pés unidos se necessário.

Calçado

O calçado é especialmente adaptado (com bicos, aderência, rigidez, suporte, etc.). Deve possuir características ergonómicas que facilitem o melhor desempenho

Os sapatos devem ser adequados para todas as situações, portanto, não são especializados; O ideal é que o calçado seja "minimalista" (sem inclinação", flexível, sola fina...). Quando possível, os pés estão descalços.

Condições climatéricas

O salto realiza-se no interior ou no exterior, onde o tempo deve estar bom (força do vento reduzida, sem chuva...)

Ao ar livre. As condições atmosféricas, como do terreno, são variáveis e permitem que o corpo se fortaleça em todas as condições.

Fase aérea

A barra a ser transposta não é fixa e cairá em caso de contacto. Não se trata de transpor um obstáculo, mas simplesmente de elevar o corpo à maior altura possível.

O obstáculo a ser superado é mais ou menos fixo ou rígido; pode ser transposto com apoio dos pés, mãos ou corpo.

Fase da queda

A queda não tem valor de performance e ocorre sobre um colchão de espuma, com o saltador caindo de costas. Não se trata de sair ileso de um salto, mas ultrapassar uma altura fixa.

A queda é tão importante quanto o próprio salto, e na maioria das vezes é feita em pé (ou com rolamento, etc.) ... porque uma queda mal executada pode ter consequências dolorosas ou mesmo prejudiciais.


 

Comparação das três filosofias

Festivais de Ginástica

Jogos Olímpicos

Treino Natural

Objetivos

Competição saudável

Competição extrema

Ausência de competição

Prémio e/ou reconhecimento

Melhor atleta geral

Melhor especialista (medalha)

Não há prémios apenas o prazer do movimento

Longevidade

Valorização do vigor físico nas pessoas jovens e de idade avançada

Carreira desportiva curta e intensa (Altamente desgastante)

Prática acessível a todas as faixas etárias

Treino

Movimentos padronizados, codificados e coreografados

Movimentos técnicos altamente especializados (automatismo de padrões motores)

Movimentos funcionais (esquemas motores) naturais com liberdade de ação e expressão

Método

Calisténicos, eventual recurso a pequenos acessórios.

Ciências do Desporto (Alto Rendimento) Dependência da sofisticação tecnológica e engenharia dos materiais e equipamentos

Natural utilitário e livre recorrendo à simplicidade e diversidade dos recursos que a natureza oferece

  • Na vossa opinião, qual é aquela que oferece melhores requisitos e potencial pedagógico para a Educação Física e vantagens para os alunos?



______________

Bibliografia sugerida:

  • Carmen Lúcia Soares. Uma educação pela natureza: o método de educação física de Georges Hébert. Rev. Bras. Ciências Esporte. 2015; 37(2): 151-157: PDF

  • Carolina Nascimento Jubé. Georges Hébert, o "fabricante de atletas". O esporte nas revistas e nos periódicos brasileiros (1913-1943). Desafios para a EF e Ciências do esporte na América Latina. PDF

  • Carolina Nascimento Jubé. Método Natural de Georges Hébert: princípios e primeiras influências (1905-1914). Revista Brasaileira de Ciências do esporte: PDF

  • Carolina Nascimento Jubé & André Dalben. Amid Progress and Wilderness: Early Reception of Georges Hébert's Naturist Ideas in Brazil During the First Half of the Twentieth Century. Yhe International Journal of the History of Sport. PDF

  • Jacques Gleyse et al. Lóeuvre de Georges Hébert au Brésil et en France dans les écrits sur lÉducation physique. Deux facettes de la nature (1909-1957)?. PDF

  • Pierre Philippe-Meden. Georges Hébert (1875-1957). A Naturalist's Invention of Body Ecology. PDF

  • Sylvain Villaret et Jean-MIchel Delaplace. La methode Naturelle de Georges Hébert ou Lécole naturiste en Éducation Physique (1900-1939). STAPS, 20041 nº 63, p. 29-44: PDF


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