Para que possamos evoluir a Educação Física do Paradigma Cartesiano para o Paradigma Holístico (Sistémico) torna-se importante mudar o nosso sistema de crenças. Não é um processo fácil e pacífico para muitos na medida que fomos condicionados, desde os tempos da escola, à cultura do desporto cuja essência é a competição. Aravés deste processo de enculturação, cada um de nós tornou-se participante e apropriou-se dos seus elementos como de bens seus. Tornamo-nos interpretes desta cultura desportiva pelo simples facto de a termos em nós e tornamo-nos co-criadores da mesma, afirma Bernardo Bernardi em Introdução aos estudos etno-antropológicos, através da nossa ação pedagógica uma vez que os objetivos e conteúdos da EF estão vinculados ao modelo desportivo.
As nossas crenças são sobretudo subconscientes e normalmente resultam de uma vida de programação constituindo-se como uma poderosa influencia no comportamento. É com base nas nossas crenças que formamos as nossas atitudes acerca do mundo e de nós próprios, e a partir destas desenvolvemos comportamentos e assumimos papeis. A imersão numa cultura que apenas apresenta uma visão de realidade condiciona as escolhas conscientes.
Quando agimos em conformidade com um determinado sistema de crenças que valoriza a competição herdade na tradicional luta pela vida (interdependência negativa), condicionamos a experiência e vivência dos alunos, bem como os seus valores a este quadro de referências.
O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, homologado através do Despacho n.º 6478/2017, de 9 de julho, define o sentido de missão de todo o sistema educativo, apresentando um caminho curricular através do qual todos os alunos devem, ao longo dos seus 12 anos de escolaridade, desenvolver uma cultura científica e artística de base humanista, alicerçada em múltiplas literacias, no raciocínio e na resolução de problemas, no pensamento crítico e criativo, entre outras dimensões.
A referência a um perfil não visa, porém, qualquer tentativa uniformizadora, mas sim criar um quadro de referência que pressuponha a liberdade, a responsabilidade, a valorização do trabalho, a consciência de si próprio, a inserção familiar e comunitária e a participação na sociedade que nos rodeia. (...) Um perfil de base humanista significa a consideração de uma sociedade centrada na pessoa e na dignidade humana como valores fundamentais.
Resumidamente os alunos devem:
Desenvolver uma cultura científica e artística de base Humanista.
Alicerçada em múltiplas literacias.
Desenvolver o raciocínio e a capacidade de resolução de problemas.
Desenvolver o pensamento crítico e criativo.
Entre outras dimensões...
Aprendizagens Essenciais:
ÁREA DOS CONHECIMENTOS
(...).
(...).
(...).
Identificar e interpretar os valores olímpicos e paralímpicos, compreendendo a sua importância para a construção de uma sociedade moderna e inclusiva.
Dimensão sociocultural dos desportos e atividade física na atualidade.
Identificar fenómenos associados a limitações e possibilidades práticas dos desportos e das atividades físicas, relacionando-os com a evolução das sociedades:
Uma das matérias abordadas na Educação Física está relacionada com o Olimpismo "cuja filosofia de vida exalta e combina de forma equilibrada as qualidades do corpo, da vontade e da mente, aliando o desporto à cultura e educação, procurando ser criador de um estilo de vida fundado no prazer do esforço, no valor educativo do bom exemplo, na responsabilidade social e no respeito pelos princípios éticos fundamentais universais" (Carta Olímpica do COI). "O objetivo do Olimpismo é o de colocar o desporto ao serviço do desenvolvimento harmonioso da pessoa humana em vista a promover uma sociedade pacífica preocupada com a preservação da dignidade humana".
A Educação Física tornou-se numa disciplina subalterna das "Ciências do Desporto", tendo perdido quase por completo a sua identidade. Não existe qualquer aversão relativamente ao desporto mas apenas o reconhecimento que as finalidades da EF diferem dos objetivos desporto. As matérias desportivas podem fazer parte da caixa de ferramentas pedagógicas do Professor de Educação Física mas não devem assumir um protagonismo e muito menos a exclusividade.
Esta reflexão centra-se fundamentalmente numa das missões da Educação Física que é a utilização das matérias que permitam a vivência da paz seja consigo próprio, com os outros ou com a natureza:
A arte de viver em paz consigo mesmo.
A arte de viver com os outros.
A arte de viver em paz com a natureza.
Valores Olímpicos, limitações e possibilidades práticas dos desportos:
O Olimpismo assume como Ideal, na sua Carta Olímpica, “colocar o desporto ao serviço da humanidade para promover a paz”.
QUESTÕES:
O que é e como se define "paz"!
Estará o desporto ao serviço da humanidade e da paz?
Poderá o desporto servir o desenvolvimento harmonioso da pessoa humana?
Poderá o desporto promover um perfil de base humanista centrado na pessoa e na dignidade humana?
Qual é a melhor estratégia pedagógica ou matérias que o Professor de Educação Física pode utilizar que o ajude a treinar os alunos na arte de viver em paz?
Quais são então as limitações e possibilidades práticas dos desportos e a sua importância para a construção de uma sociedade moderna e inclusiva?
Quais as implicações da vinculação total e instrumental dos objetivos e conteúdos da EF ao modelo desportivo?
Qualquer sistema de crenças que possamos adotar torna-se legítimo a partir do momento que prevaleça uma aceitação ou um consenso do grupo. Porém existe sempre um problema, porque haverá sempre indivíduos que pensam e sentem de forma diferente e acabam por se sentir deslocados. Por isso é importante criarmos um sistema educativo que respeite diferentes sistemas de crenças, não apenas como uma mera declaração de intenção, mas como uma prática corrente. Falamos do modelo dialógico. Esta flexibilidade curricular deve existir por forma a acomodar diferentes formas de interpretar a realidade, todas elas legítimas caso contrário "a ação pedagógica torna-se numa violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de uma arbitrariedade cultural” como afirma P. Bourdieu e J. C. Passeron citando Jurjo Santomé.
Paz.
Paz (do latim Pax) é geralmente definida como um estado de calma ou tranquilidade, uma ausência de perturbações e agitação. Derivada do latim Pacem = Absentia Belli, pode referir-se à ausência de violência ou guerra (o desporto é uma simulação de uma “guerra codificada”). No plano pessoal, paz designa um estado de espírito isento de ira, de desconfiança e, de um modo geral, de todos os sentimentos negativos. A competição (performance) baseia-se na polarização, no antagonismo e na desinformação. Nunca um conflito de interesses que se resolve pela força, poder, imposição ou superioridade, poderá ser uma linguagem para a paz. A paz depende de situações mutuamente inclusivas, ou seja, para que um indivíduo possa alcançar os seus objetivos, todos os restantes elementos deverão igualmente alcançar os seus respetivos objetivos. Uma atitude é cooperativa quando “o que A faz é, simultaneamente, benéfico para ele e para B, e o que B faz é, simultaneamente, benéfico para ambos. Cooperação é um processo onde os objetivos são comuns e as ações são benéficas para todos. No desporto os objetivos estão inversamente correlacionados verificando-se uma Interdependência Negativa, ou seja, os objetivos de ambos os atores envolvidos (individual ou coletivo) estão inversamente correlacionados de tal forma que a probabilidade de um ator atingir os seus objetivos individuais pressupõe que o outro ator tenha muito pouca ou nenhuma probabilidade em alcançar os seus objetivos (atitude competitiva).
A neurociência social explora os fundamentos biológicos da forma como os seres humanos se relacionam uns com os outros e consigo mesmos. A investigação tem fornecido algumas conclusões relativamente às funções biológicas relacionadas com a forma como o cérebro assume uma resposta de aproximação ou afastamento nas relações sociais resumindo a sua reflexão a dois temas:
Muitos dos comportamentos sociais são motivados por um princípio de organização social e comportamental que visa minimizar a ameaça e maximizar a recompensa;
Os vários domínios da experiência social gravitam em torno das mesmas redes cerebrais utilizadas pelas necessidades primárias de sobrevivência – as necessidades sociais são ameaçadas da mesma forma, no cérebro, como a necessidade pela água e alimento.
O modelo SCARF, sumariza estes dois temas segundo fatores comuns que podem ativar as respostas e pode ser aplicado em ambientes educativos (educação física) e envolve 5 domínios:
Estatuto - é sobre a importância relativa para os outros (reconhecimento).
Segurança/certeza - preocupa-se em prever o futuro.
Autonomia - fornece sensação de controle sobre os acontecimentos.
Pertença/filiação (Relacionamento) - é um sentimento de segurança relativamente aos outros.
Justiça/equidade - é uma perceção de interações justas entre as pessoas.
O modelo SCARF fundamenta-se nas neuro-ciências que afirmam que o princípio organizador do cérebro se ajusta em função de uma resposta de aproximação ou afastamento (minimizar a ameaça e maximizar a recompensa). Normalmente o sentimento de pertença envolve a decisão sobre se os outros estão “dentro” ou “fora” de um grupo social. A decisão relativa ao facto de alguém ser amigo ou inimigo tem um impacto no funcionamento do cérebro. Quando alguém é percebido como inimigo, são utilizados circuitos diferentes. Também, quando se trata alguém como competidor | concorrente, a capacidade para a empatia cai significativamente. Ou seja, numa sala de aula de EF onde prevalece o clima competitivo próprio do jogo desportivo (interdependência negativa), a probabilidade para se instaurar um clima hostil ou antipático é mais elevada e a exclusão acontece com maior incidência.
A vitória como o objetivo mais importante do desporto:
De acordo com a racionalidade neoliberal que caracteriza os tempos atuais, a difusão do desempenho e da competição cria um terreno fértil para uma cultura que projeta as pessoas como capitais que devem procurar demonstrar, incessantemente, o seu “valor”. O neoliberalismo estende-se para além dos setores específicos de mercado e engloba setores da sociedade não geradores de riqueza como é o caso do desporto de formação que, no nosso país, se caracteriza por um ambiente muito competitivo. A procura de resultados reflete uma profissionalização cada vez maior do desporto de formação. Neste contexto, as interações entre as partes interessadas são frequentemente transacionais, levando a uma cultura desportiva caracterizada pela necessidade de ganhar, independentemente da idade dos atletas, do contexto desportivo e do nível de desempenho. Dado que os clubes de formação são financiados e valorizados com base no número de atletas que possuem, estes usam o seu sucesso (na maioria das vezes medido através do número de vitórias e campeonatos conquistados) como uma ferramenta de marketing para recrutar atletas e persuadir os pais a inscreverem os seus filhos. Essas estratégias de marketing reforçam a vitória como o objetivo mais importante do desporto de formação em Portugal (Fernando Santos e colaboradores)
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Fernando Santos, Martin Camiréd, Dany J. MacDonald, Leisha Strachan, Marta Ferreira, Scott Rathwell. Sistema Desportivo Português: Cultura, Políticas e uma Abordagem Centrada nos Fatores Determinantes para o Desenvolvimento dos Jovens. Article in Motricidade · December 2021.
Nas aulas de EF verificam-se múltiplas reações emocionais de hostilidade desencadeadas pela interpretação subconsciente que os alunos fazem das situações criadas nas várias situações do jogo relacionadas com esta cultura da vitória que promove o medo da derrota considerada como uma derrota pessoal.
A agressão como “comportamento físico ou verbal destinado a ferir alguém.
Agressão Física: A agressão física é uma forma hostil de agressão. O seu objetivo é causar danos corporais. Inclui chutar, molestar, assediar, morder, empurrar, torturar, brigar, intimidar, vandalismo, destruição e gangsterismo, empurrar, puxar o cabelo, esfaquear, atirar.
Agressão Verbal: inclui atos como insultar com palavrões, exibir raiva, ameaçar, xingar e ser sarcástico, tudo para causar dor emocional e psicológica. O National Youth Violence Prevention Research Center (2002) afirma que a agressão verbal inclui comportamentos como ameaçar, intimidar os outros e envolver-se em provocações maliciosas e xingamentos.
J. G. Peristiany, Honra e vergonha - valores das sociedades mediterrânicas afirma que a noção de honra é algo mais do que uma forma de mostrar aprovação ou reprovação. Possui uma estrutura geral que se revela nas instituições e juízos de valor tradicionais de cada cultura. A honra é o valor que uma pessoa tem aos seus próprios olhos mas também aos olhos da sociedade. É a sua apreciação de quanto vale, da sua pretensão a orgulho, mas é também o reconhecimento da pretensão, a admissão pela sociedade da sua excelência, do seu direito a orgulho. O direito ao orgulho é o direito à posição social e esta estabelece-se pelo reconhecimento de uma certa identidade social (pertença). O pretendente à honra tem que fazer com que os outros aceitem a avaliação que faz de si próprio, tem que conseguir reputação pois, no caso contrário, a pretensão passa a ser simples vaidade, objeto de ridículo ou desprezo. A excelência das qualidades pessoais é relativa e está nela sempre implícita a superioridade sobre os outros (competição / comparação). Como afirma Philip G. Zimbardo (1972), “A Timidez”, “a importância atribuída à necessidade de provar aquilo que se vale, ao êxito material, à condição social, à realização mensurável é uma coisa que as crianças sentem com extrema acuidade. Para serem amadas, aceites e apreciadas têm de fazer aquilo que se espera delas. O reconhecimento do valor individual depende daquilo que se produz, não daquilo que se é. Quando as relações que estabelecemos são puramente utilitárias, é muito natural que nos preocupemos por aquilo que temos para oferecer não ser suficientemente bom ou por podermos ser rejeitados caso deixemos de ser necessários aos outros”.
Constituição de equipas - é motivo de reações emocionais diversas quando os alunos sentem que existe um desequilíbrio de forças que pode ameaçar a possibilidade de sucesso (ganhar).
O ser escolhido em último lugar também denota a discriminação em relação aos menos hábeis que os alunos sentem que não vão ajudar a equipa a ganhar (antecipam uma futura derrota).
A escolha de colegas com quem nutrem mais afeto e a rejeição de outros.
Numa equipa de 3 ou 5 alunos, os mais hábeis e competitivos não passam a bola aos menos hábeis porque antecipam a perda de posse de bola. A nossa tentativa de sermos inclusivos, acentua a dor social destes alunos.
A crítica aos colegas quando falham em alguma situação do jogo.
Estas e muitas outras situações criam constantes tensões e conflitos por causa do estatuto (ganhar e/ou perder) que advém da vitória.
Esta cultura:
Associa o ganhar ao valor pessoal (honra).
Sobrevaloriza a necessidade de se provar aquilo que se vale através do êxito material (prestação motora/classificação; critério da performance; realização mensurável).
Esta cultura desportiva é responsável, quando analisada pelo prisma das neuro-ciências, pela manifestação de comportamentos de hostilidade enquanto mecanismos de defesa contra um ambiente hostil que causa "Dor Social" porque ameaça os cinco domínios do modelo SCARF.
Em cada ano, mais de 3,5 milhões de crianças com idades inferiores a 15 anos necessitam de tratamento médico devido a lesões desportivas, quase metade destas resultam da simples sobreutilização (sobretreino) O jornalista Mark Hyman investigou a evolução do desporto juvenil desde os simples jogos até à prática desportiva que prende transformar crianças nos futuros atletas de elite, levando-os para lá dos limites físicos e emocionais. (…) O jornalista expõe a forma como os adultos estão a transformar o desporto juvenil numa empresa lucrativa de elevada pressão e exigência. Coloca-se a seguinte questão: desde quando é que o desporto se tornou mais um trabalho do que um divertimento? O pediatra Joel Brenner afirma que ouvimos frequentemente falar da epidemia da obesidade. Porém, do outro lado do espectro, existe um grupo de miúdos que estão super-ativos. A Academia Americana de Pediatria está tão preocupada com este facto que emitiu duas missivas sobre lesões de sobreutilização no espaço de 3 anos, tendo sido a última em 2007 (considerando a data de publicação do livro). Um olhar sobre como a comercialização do desporto juvenil que transformou a diversão num empreendimento altamente lucrativo. Mark Hyman analisa a economia do desporto juvenil segundo várias perspetivas: as principais corporações, os pequenos empreendedores, os treinadores, os pais e, é claro, as crianças. Hyman investiga as razões por trás da rápida mudança do que é comprado e vendido neste mercado lucrativo e revela os efeitos sobre as crianças, analisando os indivíduos e as comunidades que contrariam esta tendência destrutiva de comercialização.
O estudo realizado por Vítor Ferreira e colaboradores intitulado comportamentos de agressividade em alunos portugueses dos ensinos básico e secundário nas aulas de EF, refere que globalmente, os alunos apresentam níveis de agressividade baixos no contexto das aulas de EF. Refere que os níveis de agressividade diferem entre o género masculino e feminino sendo mais elevado nos primeiros. À medida que aumenta a idade, estas duas formas de agressividade também aumentaram. Em relação ao tipo de desporto (com ou sem contacto físico), os resultados evidenciaram a existência de diferenças estatisticamente significativas nos fatores de agressividade física e hostilidade, verificando-se que em ambos os casos, os alunos dos desportos com contacto apresentam níveis superiores. Considerando, simultaneamente, o género e o tipo de desporto, constatou-se que, nos desportos com contacto, o género masculino apresenta maior agressividade física e nos desportos sem contacto, os rapazes apresentam maiores níveis de agressividade física e agressividade total.
O neuro-cientista John Cacioppo fala acerca da necessidade do contacto humano seguro como sendo um fator primordial ou necessidade básica tal como a necessidade de comida. Na ausência de interações sociais seguras o corpo gera uma resposta de ameaça. Naomi I. Eisenberger, Matthew D. Lieberman, Kipling D. Williams (2003) realizaram uma investigação sobre a Exclusão Social, recorrendo a imagens de ressonância magnética do cérebro, para determinar o que “magoa as pessoas”. (…) Este estudo de neuro-imagem examinou os correlatos neuronais relativos à exclusão social, procurando-se determinar se as hipóteses das bases neuronais da dor social são semelhantes às da dor física (…). Constatou que as áreas no cérebro associadas à angustia e aflição quer seja causada por uma rejeição social ou dor física, são as mesmas.
Os jogos desportivos apresentam-se sobretudo como uma forma de Interdependência Negativa porque os objetivos estão inversamente correlacionados (vitória vs derrota) promovendo tensões que desencadeiam respostas de afastamento devido ao medo de perca de estatuto inerente à derrota, medo devido à incerteza do resultado, medo associado à falta de controlo do resultado e das situações de jogo, medo associado às injustiças de julgamento e/ou interpretação das situações pela arbitragem.
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David Rock. SCARF: a brain-based model for collaborating with and influencing others. Neuro Leadership journal. Issue Ner 2008. PDF
Naomi I. Eisenberger, Mattew D. Lieberman, Kipling D. William (2003); “Does Rejection Hurt? An fMRI Study of Social Exclusion”; Science; Vol. 302, 10 october 2003; pp. 290-292
Valores.
Michela Balconi e Maria E. Vanutelli referem no seu artigo que a cooperação e a competição são dois exemplos comuns e opostos a nível da dinâmica interpessoal e os quais assumem diferentes padrões cognitivos, neuronais e comportamentais.
Imke L.J. Lemmers-Jansen et colaboradores falam de “decisões sociais com atenção plena” (mindfullness) e “decisões sociais sem atenção plena” (unmindfullness):
Decisões sociais sem atenção plena: este tipo de decisões dirige-se à “mente racional” e apenas reconhece as decisões e ações estratégias que lhe permitem ter vantagem sobre os outros ou apenas olham para os seus benefícios. Ou seja, podem ou não ter consciência que as suas ações são desvantajosas para os outros porque o seu sucesso depende desta sobreposição de interesses, “eu” ou a “minha equipa” antes do “outro” ou da “outra equipa”.
Decisões sociais com atenção plena: este tipo de decisões dirige-se à “mente social” que reconhece as necessidades e desejos dos outros antes de decidir sobre as suas ações. A atenção social plena apenas se torna possível quando as pessoas são capazes de reconhecer que as suas escolhas afetam as opções e escolhas de outros jogadores, e demonstram a vontade em agir em conformidade.
Todos sabemos que durante o jogo desportivo de oposição, um jogador que assuma decisões com atenção plena colocando as necessidades e desejos dos outros antes das suas, age contra os interesses da sua equipa e do objetivo da mesma que é ganhar. Este jogador que mostre generosidade nas suas ações permitindo e facilitando empaticamente as ações dos adversários, será fortemente criticado pelos colegas da equipa porque compromete o sucesso. Este jogador destrói a essência do jogo desportivo que depende da oposição e do confronto.
Do ponto de vista moral podemos afirmar que, se o raciocínio moral no desporto é mais egocêntrico (menos maduro) do que o raciocínio moral sobre a vida de acordo com os níveis morais de Haan (1983) então, será este o melhor referencial axiológico a utilizar na formação moral dos alunos em sala de aula quando os preparamos para uma moralidade mais ampla e abrangente – a moralidade da vida quotidiana que pede aos alunos decisões sociais com atenção plena?
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Michela Balconi and Maria E. Vanutelli. Cooperation and Competition with Hyperscanning Methods: Review and Future Application to Emotion Domain. Frontiers in Computational Neuroscience. eptember 2017 | Volume 11 | Article 86
Jean Decety et col. The neural bases of cooperation and competition: an fMRI investigation. Neuroimage. 2004 October ; 23(2): 744–751
Carwyn Jones and Michael John McNamee. Moral Reasoning, Moral Action, and the Moral Atmosphere of Sport. Sport, Education and Society, Vol. 5, No. 2, pp. 131–146, 2000
Pressupostos de uma Educação para a paz:
Valorizar os alunos pelo que são e não pelo que produzem.
Evoluir da ciência do grupo para a ciência do indivíduo - o nosso argumento é que os indivíduos se comportam, aprendem e se desenvolvem de maneiras distintas, apresentando padrões de variabilidade que não são capturados por modelos baseados em médias estatísticas. Como tal, qualquer tentativa significativa de desenvolver uma ciência do indivíduo começa necessariamente considerando que a variabilidade individual se manifesta em todos os aspetos do comportamento dos alunos e em todos os níveis de análise (L. Todd Rose et al.).
Introduzir atividades hipometabólicas como o relaxamento muscular progressivo nas quais os alunos se apercebem que são capazes de criar paz dentro deles, aprendem a acalmar as emoções incoerentes e aquietar a mente.
Introduzir a pedagogia cooperativa e os jogos cooperativos que promovem uma interdependência positiva onde os objetivos estão diretamente correlacionados o que minimiza ou evita a dor social e promove decisões sociais com atenção plena refletindo um maior raciocínio moral.
Introduzir currículos de literacia Emocional e Social (Inteligências múltiplas). O Programa de Literacia Emocional trata os alunos como indivíduos incluindo as suas necessidades específicas sejam emocionais, sociais ou académicas. Os alunos passam a sentir-se mais seguros para se exprimirem sem medo de serem julgados e criticados. Os Professores também notam mudanças em si próprios: tornam-se mais confortáveis a partilhar as suas próprias experiências, passam a responder de forma mais construtiva relativamente aos alunos e a partilharem sem receio as suas próprias experiências mostrando-se vulneráveis e mostram-se muito mais despertos e atentos aos momentos especiais que ajudam a manter um clima saudável na sala de aula. Adicionalmente, os professores notam nos seus alunos uma diminuição nos problemas de comportamento e um aumento de comportamentos pró-sociais na sua sala de aula.
Para tornar significativos os currículos de Educação Física para crianças e jovens do século XXI, teorias inovadoras da aprendizagem e novas perceções da disciplina devem ser consideradas, avaliadas e implementadas (Comissão Europeia, 2008). Muitos dados contemporâneos indicam uma deterioração percebida nas atitudes dos estudantes em relação à EF devido ao domínio dos desportos competitivos e atividades baseadas no desempenho. Para maximizar a contribuição da EF para o desenvolvimento de hábitos positivos ao longo da vida, os currículos devem ser flexíveis e abertos à adaptação, para que os professores sejam empoderados a adequar a oferta para atender às necessidades dos jovens com os quais estão a trabalhar. Isto deve ser feito por meio de consultas aos jovens para garantir que os seus interesses e necessidades sejam refletidos, bem como para fortalecer o envolvimento cívico mais amplo por meio da atividade física.
Introduzir nas aulas o Desporto auto-arbitrado e o seu potencial em meio escolar e competitivo por José Amoroso: O Ultimate Frisbee (UF) é o único desporto autorreferenciado no mundo e pode ser jogado por equipas mistas, algo que o desporto coletivo deverá fomentar cada vez mais no futuro. (…) O UF (Ultimate Frisbee) pode ajudar os professores de EF porque introduz uma estratégia que promove a comunicação e as normas ligadas ao Espírito do Jogo (SOTG – spirit of the game). Isto permite facilitar a formação de uma cultura única sustentada pelos intervenientes (Amoroso et al., 2021). Griggs, (2011) apresenta o UF como um desporto de autocorreção, que por sua vez resulta num melhor cumprimento das regras formais do jogo. Concluímos que esta perspetiva de auto-arbitragem poderá ajudar as crianças e jovens a estarem mais conscientes das suas ações, ajudar a melhorar o espírito de jogo e promover uma imagem positiva ao nível do desenvolvimento individual e de equipa, promovendo a integridade e os valores nas aulas de EF.
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L. Todd Rose, Parisa Rouhani and Kurt W. Fischer. The Science of the Individual. Journal Compilation © 2013 International Mind, Brain, and Education Society and Blackwell Publishing. Volume 7—Number 3: PDF
UNESCO. Diretrizes em Educação Física de Qualidade – Para gestores de políticas (Página 42)
José Pedro Amoroso e colaboradores. Teamwork, Spirit of the Game and Communication: A Review of Implications from Sociological Constructs for Research and Practice in Ultimate Frisbee Games. Social Sciences
Blaine G. Robbins. Playing with fire, competing with spirit: cooperation in the sport of ultimate. Sociological Spectrum
Quando aborda a necessária emergência de novos valores na atual sociedade, tanto na esfera do trabalho (economia) como da educação em geral, refere que a competição profissional foi considerada até hoje como uma motivação saudável rumo ao êxito. O novo pensamento rejeita toda a competição herdade na tradicional luta pela vida. Repudia toda a ideia de comparação simplista baseada na excelência e no mérito, uma vez que tais comparações conduzem geralmente a uma classificação arbitrária entre os indivíduos, a juízos de valor que limitam e empobrecem as relações humanas. A sociedade, libertada da ideia de competição, não surge já como uma selva, mas como uma comunidade de interesses cuja evolução assenta na ajuda mútua, na cooperação, na educação recíproca, no partenariado (Joel de Rosnay (1975), “O macroscópio”)
Instinto Social e o Sentido Moral
Será que esta imagem transparece o perfil de base humanista que coloca o desporto ao serviço do desenvolvimento harmonioso da pessoa humana com vista a promover uma sociedade pacífica preocupada com a preservação da dignidade humana.
Havemos de chegar a um momento da nossa civilização que estaremos preparados para abandonar a necessidade de desafiar o adversário porque este se tornou no nosso aliado e amigo. Até lá, teremos que ir preparando a nossa mente e corações, imaginar e lançar as sementes da transformação.
A Teoria Evolutiva de Darwin é frequentemente vista enquanto cenário de uma competição implacável pela sobrevivência e sucesso reprodutivo. Até o seu nome foi conotado como sinónimo de competição individual implacável (cruel, sem compaixão), a qual se diz ser Darwiniana. Embora o livro mais famoso de Darwin sobre a evolução seja “The Origin of Species” que retrata largamente a evolução enquanto produto da competição individual implacável pela sobrevivência e sucesso reprodutivo, nada diz sobre o percurso evolutivo da espécie humana. Duas décadas depois, Darwin publicou dois livros que estavam mais diretamente preocupados com a evolução e psicologia humana: “The descent of man” e “The Expression of Emotions in man and Animals”. Quando tomamos em consideração estes dois livros conjuntamente com o primeiro “The Origin of Species”, apercebemo-nos que Darwin tinha uma visão muito mais complexa da psicologia evolutiva dos seres humanos que a maioria dos darwinistas que falam dele. De facto, Darwin lançou as fundações teóricas sólidas, na biologia evolutiva, sobre a necessidade de integração psicossocial para o bem-estar. No livro “The Descent of man” Darwin descreve a tendência natural inata no sentido do contacto social ao qual designa por “instinto social” enquanto uma das maiores e mais notáveis adaptações do Homo Sapiens e de outros espécies animais que formam grupos sociais duradoiros. Argumentou que os seres humanos não só são fortemente atraídos pela necessidade de companhia da sua própria comunidade, devido ao seu instinto social, mas também estão inclinados, de forma inata, para sentir simpatia e predispostos ao comportamento cooperativo e sacrifício altruísta, dentro das suas sociedades tribais. Ele designou esta predisposição o “Sentido Moral” e descreveu a importância psicossocial do Instinto Social e do Sentido Moral enquanto forças ou traços inequivocamente enraizados no Homo-Sapiens (“Cooperação“). Porém, Darwin foi interpretado e popularizado por Thomas Huxley que fez sobressair a ideia da natureza competitiva humana e que o mundo natural é uma anarquia onde os fortes subjugam os mais fracos. Foi esta ideia que prevaleceu e influenciou o modelo competitivo do desporto o qual, apesar da introdução do “Fair-Play”por Thomas Arnold, os valores da competição facilmente resvalam para o “(un)Fair-Play”.
Roda da Paz: Modelo de Pierre Weil "A mudança de Sentido e o sentido da mudança"
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